23 de março de 2021

Clubhouse: elitismo, modismo e a era do rádio

Clubhouse
Soraia Lima Soraia Lima
@soraiaherrador
23 de março de 2021

Clubhouse: elitismo, modismo e a era do rádio

Soraia Lima Soraia Lima
@soraiaherrador
Clubhouse
compartilhe:

Quando o Instagram surgiu, em 2010, era uma novidade apenas para quem utilizava o sistema iOS. Os outros sistemas operacionais vieram a ser contemplados dois anos depois. Mas, aí, já não era tão novidade. 

Por que resolvi recuperar essa informação? Simplesmente porque na época era usuária de Android. E demorei a ter acesso àquela que, atualmente, é uma das mídias sociais mais populares.

O app do momento se chama Clubhouse e ele também começou inicialmente a ser oferecido exclusivamente para o sistema iOS. E este texto é sobre ele e a polêmica em torno dele.

Clubhouse: o que é e para que serve?

Foi um aumento de 4.900% em buscas no Google nos últimos dias. Clubhouse é motivo de questionamentos, desavenças e lives nessas semanas. Entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, ele saiu de 600 mil para 6 milhões de usuários. O Brasil está entre os dez países com maior presença. Os gráficos do Google Trends mostram a curiosidade em torno do app no Google.

Fonte: Google Trends (metodologia: palavra chave – Clubhouse; período analisado – últimos 90 dias; pesquisa realizada em 9 fev. 2021. O pico se refere ao dia 6 fev. 2021)
Fonte: Google Trends (metodologia: palavra chave – Clubhouse; período analisado – últimos 90 dias; pesquisa realizada em 9 fev. 2021)

O tema também gerou burburinho em outros sites de redes sociais. Uma pesquisa feita no Stilingue, de 10 de janeiro a 09 de fevereiro de 2021, com a palavra chave Clubhouse, trouxe mais de 17.037 menções no Twitter, sendo que 16.804 delas ocorreram em fevereiro. O pico de menções foi dia 08 de fevereiro.

Metodologia: plataforma Stilingue; mídia selecionada: Twitter; período: de 10 jan. a 09 fev. 2021; palavra chave Clubhouse.

Os homens movimentaram majoritariamente as menções (52%), sendo o sentimento em sua maioria neutro (ou seja, sem juízo de valor). Mas o volume de menções negativas foi igualmente representativa e mostra o incômodo que o novo aplicativo gerou no Twitter.

O buzz ao redor do app é uma realidade, como mostraram os dados.

No entanto, mais do que falar sobre, é saber o que estão falando. E o grafo de termos correlacionados nos ajuda nesse sentido.

Fonte: Stilingue (fev. 2021)

Os usuários querem convites, querem entender como funciona. Parte do burburinho que mencionei anteriormente e que justifica a sentimentalização negativa pode ser identificada por meio dos termos IPHONE, CONVITE, ANDROID. 

Justamente pelo buzz, vale a pena explicar um pouco sobre o app.

Clubhouse é uma plataforma social baseada em áudios ao vivo, os quais a princípio não ficam gravadas (falei desse modo porque é uma funcionalidade que pode ser incluída posteriormente). Os usuários podem seguir diferentes pessoas – inclusive personalidades como Elon Musk, Caetano Veloso -, e participar de salas de bate-papo, que são classificadas em públicas (qualquer membro pode entrar); sociais (restritas às pessoas que estão seguindo o anfitrião da sala); e as privadas (que o anfitrião seleciona quem entra e quem sai).

Para quem gosta de um bom áudio, curte conversar e não tem pique para elaborar um podcast, é uma boa pedida.  

O app viralizou no Brasil e acredito que isso tenha acontecido por dois fatores: por ser uma novidade e, como apontei acima, por ser inicialmente restrito ao sistema iOS. Essa conjuntura fez com que vários textos surgissem sobre o quanto esta rede social é elitista e restritiva. 

Ora, amigues, isso não é uma novidade. O exemplo do início do texto mostra bem este ponto. É uma realidade das mais antigas, inclusive.

O que me intriga são diferentes profissionais bravatando sobre inclusão/exclusão dessa plataforma, quando o buraco é muito mais embaixo. 

Sério que estamos falando de inclusão porque você não consegue se inscrever em um app? Sério?! Na minha humilde opinião, parece que nem saímos de uma pandemia em que a inclusão digital foi ignorada na maior parte do tempo.

E, já que é para problematizar, vamos problematizar direito e com dados.  

Incluídos digitais: onde vivem? O que comem? O que acessam? 

Falemos do que aconteceu durante a pandemia. Segundo a pesquisa TIC Educação, entramos na pandemia com o seguinte déficit: 39% dos estudantes de escolas públicas urbanas não tinham celular ou tablet; já nas escolas particulares isso representava 9%.

Fonte: G1 (2020)

Já a pesquisa feita pelo Instituto Unibanco e a organização Todos Pela Educação mostrou que 95% dos estados implantaram plataformas de aprendizagem online na pandemia, mas que somente 45% compraram pacotes de dados para dar acesso gratuito ao conteúdo. 

E estou restringindo o assunto à educação. Quantos não tiveram que aderir ao home office e não foram amparados de nenhuma forma sobre esta mudança? E as empresas que tiveram que fazer sua transformação digital há tanto postergada para sobreviver? 

Pois é. O não acesso a um app não faz você um ser mais ou menos privilegiado. Aflora, mais uma vez, o que popularmente se chama de “white people problem”, ou seja, problemas que realmente não são problemas, mas que as pessoas encaram e se posicionam como se fossem. 

Muito tenso? Exagerei? Vou explicar por meio de números. 

Argumentação por meio de dados e reflexões. 

Em minhas aulas e palestras costumo dizer que data storytelling não é só a visualização de dados ou a construção de slides com gráficos. Os dados podem ajudar a contextualizar realidades e são extremamente importantes na construção de narrativas. 

Este é um artigo e pretendo sustentá-la por dados. Esses são fresquinhos. Saíram há uma semana. A fonte é a Digital 2021 (janeiro), pesquisa mensal da agência We Are Social em parceria com a ferramenta de monitoramento Hootsuite, que mostra o cenário do digital no mundo e também em alguns países. O Brasil é um deles. 

O primeiro dado é sobre a porcentagem da população que acessa a internet no país: 75%. Essa porcentagem é acima da média global (que é de 59,5%). E você deve estar falando: “nossa, mas isso indica que somos super conectados”. Não é verdade.

O mesmo relatório indica que a América do Sul possui mais de 121 milhões de pessoas sem acesso à internet. Se fizermos os cálculos, desses, 53 milhões são do Brasil. (E se você está lendo esse texto, não faz parte desse montante).

Sim, o estudo revelou que o Brasil está entre os 10 países com maior número de pessoas sem acesso à web, apenas evidenciando o que vimos na prática durante a pandemia.

Claro que temos outros números (e sem o devido contexto):

  • Os brasileiros passam mais de 10h08min conectados por dia. A média mundial é de 6h14min;
  • Ocupa o 5º lugar em concentração de usuários de mídias sociais (“perdendo” apenas para Índia, EUA, Indonésia e Paquistão), sendo que os usuários brasileiros passam em média 3h42min nelas (a média mundial é de 2h25min);
  • Os usuários brasileiros têm geralmente 9,8 perfis em mídias sociais (média mundial: 8,4).

Mas, com o que deveríamos nos preocupar:

  • Qual o perfil do brasileiro que passa tanto tempo conectado?
  • Para que e por que temos tantos perfis em mídias sociais?
  • Qual a necessidade de estar em quase 10 plataformas?
  • O que deixamos nesses ambientes, principalmente em termos de dados?

Clubhouse e um pseudoelitismo

Este texto tentou mostrar que você já está inserido em uma bolha (econômica, social e informacional). Também procurou explicar que o hábito de lançar primeiro apps no iOS e depois para os demais sistemas é antigo. Então, por que a revolta? Será que realmente você precisa estar lá? Sua vida vai mudar se não estiver? Estar lá apenas para marcar presença é só o que importa?

E aqui valem mais dois pontos.

Eu não tenho conta no TikTok. Podem me julgar. Não tenho. E entendi que para mim não fazia sentido ter. Ainda assim, como profissional da área tenho que conhecer. Tal conhecimento inclui não apenas entrar na mídia social em algum momento, como me informar a respeito dela. Eu não preciso necessariamente ser hard user para isso. 

Usei o TikTok justamente para falar sobre meu cotidiano estratégico. Afinal, tenho clientes que têm conta nele. Logo, tenho que saber das coisas. Assim, meu primeiro contato foi uma matéria do NYT sobre a plataforma. Eu pirei. Primeiro, porque a experiência de leitura da matéria no mobile é muito mais interessante do que no desktop. Você realmente consegue ver como é a experiência dentro da plataforma. Segundo, porque já me deu um panorama do que esperar da então mais nova rede. 

Depois, fui atrás dos perfis sociais e do site do TikTok. Isso me deu o embasamento para que eu saiba quais são as principais novidades da mídia social. E pronto.

Sigo feliz e despreocupada, sem ter perfil por lá.

Agora, voltemos ao Clubhouse. Sim, estou no Clubhouse. Sim, estou lá porque achei interessante estar pessoal e profissionalmente. Pesquisei e vi que fazia sentido. Mas, quantas pessoas entraram ou querem entrar com este intuito? Quantas pensaram antes de ter mais um perfil em redes sociais?

Por todos estarem falando, nos sentimos impelidos a entrar em mais um app. Não sabemos para que serve, nem o que vai nos proporcionar, mas QUEREMOS e julgamos ser elitista um aplicativo que todo mundo está falando sobre.

E esse movimento me preocupa, enquanto profissional da comunicação. Enquanto usuária. PREOCUPA. É o que alguns estão chamando de Orkutização do app, ou seja, um app dominado por brasileiros e usado sem propósito.

Um outro lado: a era do áudio

Para além dessa polêmica (e que na minha humilde opinião precisou até de um artigo), destaco um ponto que para mim é muito mais relevante neste contexto. A era do áudio. 

Segundo o estudo da We are Social, serviços de streaming de música e podcast já representam 25% dos gastos em consumo de conteúdo digital, ficando apenas atrás de serviços de streaming de vídeos (31,2%). 

E essa era não está restrita ao consumo de áudio em si. Ela também contempla outros aspectos, como a busca por voz e o comando por voz. A pesquisa referida mostrou que, por mês, 40,2% dos brasileiros utilizam essas funcionalidades. O Think With Google endossa esse ponto, apontando que mais de 60% dos brasileiros já usaram a voz para controlar celulares, para se orientar no trânsito, para fazer buscas na internet e para reproduzir música. Fora as mensagens de voz! Mais de 90% dos brasileiros já enviaram alguma mensagem de voz usando o smartphone. Somos também o terceiro país com mais usuários ativos do Google Assistente

Nos sites de redes sociais o áudio tem igualmente sido explorado. É possível encaminhar mensagens em áudio (Facebook Messenger, Instagram, LinkedIn), além de outros formatos, como a que podemos encontrar no Twitter, intitulado Audio Spaces. A funcionalidade está sendo testada desde o final de 2020 e é muito semelhante ao Clubhouse, com salas de bate-papo e opção de fixar tweets e threads no topo da sala.

O aúdio, assim como o vídeo, tem um tremendo potencial de ser experimentado por marcas, pessoas e sites de redes sociais. É de fácil consumo e ideal para a mobilidade, a qual em breve voltará a ser uma realidade. O surgimento de um app que contempla esses aspectos mostra que há oportunidades por aí.

Mas, ao contrário do que muitos pensam, vejo mais essa rede social como inclusiva do que restritiva. Claro que há problemas, como para aqueles que são deficientes auditivos, que não têm a mesma experiência que outros usuários, pelo app possuir recursos limitados. E é com esse tipo de inclusão – bem como a digital – que deveríamos estar nos preocupando. O resto é secundário.

Soraia Lima Soraia Lima
@soraiaherrador
Tags   

Outras postagens

Chili

Chili, a sociedade do cansaço e a falta de empatia: por que valorizamos tanto ser workaholic?

Clique para ler
Magalu

Todos querem ser a Lu: notas sobre Branding, personas e porque devemos olhar com cautela para este movimento.

Clique para ler