Era para ser um começo de ano tranquilo. Mas aí vem o Zuckerberg e transforma a Meta em um duplo X, esperando a auto regulação e o bom senso dos usuários.
Isso não deu certo no passado, principalmente considerando que se trata de um passado recente. Em 2020, essa falta de regulação deu start a um movimento mundial denominado Stop Hate for Profit, que contou com o apoio de grandes marcas e, embora não tenha causado grande impacto econômico na Meta, gerou uma turbulência no mercado que fez com que as redes sociais repensassem a forma como moderavam as conversas.
De fato, o movimento fez com que mecanismos de checagem de fatos ganhassem novas proporções, causando uma diminuição do volume de fake news, e fazendo com que ultraconservadores migrassem para redes sociais como Parler e Quora.
Em 2022, Elon Musk vem numa contra ofensiva e, defendendo a liberdade de expressão, compra o Twitter, tirando qualquer tipo de moderação da plataforma e abrindo espaço para que novas redes sociais, como Bluesky e Threads surjam. Os grandes anunciantes não gostam do novo posicionamento do Twitter, agora X, e a plataforma perde 52% de receita entre 2022 e 2023.
Dado esse contexto e colocando uma lupa no Brasil, temos uma questão que transcende a econômica, ganhando vieses políticos e sociais. Musk já sentiu na pele esta questão, quando o X ficou por mais de um mês suspenso no Brasil, em setembro do ano passado.
Liberdade de expressão não é salvo conduto para que as pessoas cometam crimes. Aliás, calúnia, injúria e difamação são os crimes mais comuns que se comete nas redes sociais, muitas delas envelopadas sob a nomenclatura de liberdade de expressão. E em tempos de IA e deep fakes, é fácil enganar pessoas que vivem em situação de analfabetismo digital funcional, algo muito presente no Brasil e que foi abordado por mim em minha tese de doutorado.
Aliás, há um senso comum equivocado atualmente sobre o que é liberdade de expressão. Vale lembrar que liberdade de expressão é o direito fundamental de toda pessoa de manifestar suas opiniões, ideias e pensamentos, sem censura ou restrições indevidas, desde que respeite os limites legais, como a proibição de discurso de ódio, incitação à violência e difamação. Esse direito é essencial para a democracia, promovendo o debate público, o acesso à informação e a diversidade de perspectivas, mas deve ser exercido de forma responsável e equilibrada para garantir o respeito aos direitos dos outros.
No entanto, nas redes sociais, essa ideia se perde um pouco e é por isso que se questiona o papel das plataformas nesta moderação.
Se tudo isso não fosse suficiente, gostaria de retomar aqui o conceito de paradigma do expert, tão bem explicado por Henry Jenkins em sua obra “Cultura da Convergência”. Neste livro ele explica que atualmente não são livros ou diplomas que qualificam alguém como expert em um assunto. A própria comunidade pode atribuir este selo de relevância e, até porque não dizer, credibilidade para qualquer pessoa, sobre qualquer assunto. O impacto disso? Milhares de pessoas indo para as redes sociais e sendo ovacionadas sobre temas aleatórios, mesmo que alguns desses temas geram impactos relevantes para diferentes setores da sociedade.
Isso sem contar as próprias marcas, que se tornam cada vez mais veículos de comunicação, tão seguidas quanto a imprensa, e cujo posicionamento repercute também na vida de seus consumidores, seja influenciando hábitos de compra, seja compactuando com questões políticas – muitas vezes de seus CEOs.
Cada um desses pontos apresentados tem ônus e bônus e, a verdade, é que de agora em diante as máscaras cairão e veremos cada vez mais pessoas e marcas de algum lado do muro.
Acredito muito no poder da autocomunicação (olha o Castells aí, gente!), na liberdade de expressão e nas respectivas consequências de ambos. No entanto, olhando agora para o futuro, me preocupo com o que enfrentaremos em termos de tempos e movimentos de usuários e empresas. Como diria Dumbledore, “tempos difíceis estão por vir, Harry, e você terá que escolher entre o que é certo e o que é fácil”.